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A edição brasileira de "Hombre" |
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"Hombre", Elmore Leonard. Rio de Janeiro: Rocco, 2004 [1961], 174 páginas. Tradução e prefácio de Fernando Monteiro.
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Esta novela seca e explosiva representa um dos melhores momentos da melhor fase do escritor americano Elmore Leonard,
nascido em 1925 e ainda em atividade. Leonard começou escrevendo westerns em 1951, quando o gênero ainda estava no ápice.
Suas primeiras histórias foram para revistas como "Argosy", "Ten Story Western", "Dime Western",
"Zane Gray" (batizada com o nome de um famoso autor de faroestes) e na famosa slick "Saturday Evening Post".
Nos sessenta veio a decadência do gênero -- "Hombre" levou dois anos para ser publicado. Eventualmente, Leonard
mudou, a partir de "The Big Bounce" (1970), para a ficção de crime, onde se tornou famoso como livros como "Get
Shorty" e "Pronto".
O prefácio de Fernando Monteiro para a edição brasileira de "Hombre" (parte de uma coleção contendo os principais
faroestes de Leonard) é apaixonado mas um pouco tortuoso, e a tradução não é muito boa não. A novela em si é excepcional --
não há uma palavra sobrando, todas as situações são marcadas e desenvolvidas com perfeição, explorando o máximo do seu potencial
dramático, sem pieguisse ou qualquer excesso emocional ou estilístico.
Quem narra é um dos participantes da aventura, o jovem Carl Allen, de apenas 21 anos, que escreve o relato para corrigir
o que viu publicado em um jornal, sobre o evento. A sua inocência e inexperiência ajudam a manter a narrativa no nível exigido
pelo autor e o aspecto testemunhal torna a experiência do texto mais próxima do leitor.
John Russell, um mestiço de anglo e mexicano que viveu entre os apaches, viaja na mesma diligência com o Dr. Favor e sua
esposa, dois ladrões que desviaram US$ 12 mil dos recursos de uma reserva indígena apache. Os outros passageiros são Allen,
Mendez (o cocheiro), e a "garota McLean", que há pouco fora libertada do convívio dos apaches, com quem estivera
como prisioneira por dois meses. O último passageiro é o bandido Braden.
A certa altura, Braden se encontra com seus comparsas (dois deles conhecidos de Russell, de outros carnavais), e os bandidos
tomam o dinheiro e a água. Russell reage, mata um deles e um dos cavalos com a água. De posse do dinheiro, foge com os outros
passageiros, salvo pela Sra. Favor, que fora tomada como refém (ela vinha flertando com Braden). Fugindo pelas colinas os
passageiros seguem Russell, que não dá muita bola para eles, que o haviam desprezado por ser meio-índio. Logo descobrem que
precisam dele para se locomoverem na região, mas que Russell tem pouco interesse em se arriscar por eles. De qualquer forma,
armam uma emboscada para os homens de Braden, que vêm a cavalo. A emboscada não vai bem, o que os força a seguirem para uma
mina abandonada, onde haviam esquecido um saco de água. Logo os bandidos aparecem e ameaçam matar a Sra. Favor, se não lhes
derem o dinheiro. Mas Russell, que é quem está de posse da grana e que já havia brigado com Favor, se nega. Ele havia obrigado
Favor a abandonar o grupo, mas o ladrão de colarinho branco conseguira sozinho chegar até a mina abandonada.
Obviamente Russell se ressente do fato de Favor ter roubado o dinheiro que deveria ir para alimentar os índios famintos
da reserva. Quem se debate mais com ele é a garota McLean (objeto de fantasias do narrador) e Mendez. A condenação deles sobre
Russell é moral, mas a única ética do jovem mestiço parece ser a da sobrevivência. Alguém precisa descer e tentar resgatar
a arrogante, mesquinha e promíscua Senhora Favor, mas o grupo de personagens, cada um deles individualmente e moralmente fracos,
elege Russell, a quem afirmam ser inferior a eles, mas a quem enxergam como sendo o único apto para a violência. Russell representa
um mistério indecifrável para os brancos: um homem que vive fora do seu sistema moral.
É claro que, nesse sentido, o fato do texto ser narrado em primeira pessoa por um personagem que derradeiramente sabe
pouco, pouco demais, está perfeito dentro do projeto do autor. Mesmo com que o estreito ponto de vista narrativo diminua a
força da cena do confronto final -- aqui assistida de longe --, em relação à adaptação cinematográfica (dirigida por Martin
Ritt em 1967). Carl, o narrador, não consegue compreender Russell, embora aparentemente seja, por sua idade, o mais próximo
dele. Diante do desconhecido, os personagens podem apenas projetar a sua moralidade sobre ele, e assim protegerem a sua psique,
duplamente ameaçada -- pelo perigo de morte e por sua incapacidade de assumirem o ponto de vista dos índios excluídos. Essa
incapacidade é tão grande, tão determinante, que ela se projeta para o contexto -- o branco que não consegue compreender o
indígena -- e para a época de sua produção -- no início dos anos sessenta a questão da compreensão do Outro começa a assumir
uma posição mais central nas questões literárias.
Russell é caracterizado como uma variante do cowboy clássico caladão de incontáveis filmes e romances, mas neste caso,
além de ele ter mais profundidade e atitude do que outros personagens semelhantes, seu estoicismo e laconismo servem ao mistério
que o envolve e à sua dupla identidade nativa/branca.
A narrativa de Hombre é excelente e não parece tropeçar em momento algum, e o livro foi considerado um dos 25 melhores
westerns já escritos, pela Western Writers of America, e por suas implicações sobre questões como identidade e o isolamento
humano dentro dos sistemas morais e econômicos dominantes, deveria ser lido e estudado até por professores de literatura.
Dentro do sentido da novela, não precisamos ir muito longe para estabelecer uma conexão entre o drama do livro, e nossa
tendência, como brasileiros, de nos exasperarmos com atos individuais de violência, enquanto aceitamos passivamente os crimes
de longo alcance daqueles que desviam o dinheiro de merendas escolares, hospitais e medicamentos, projetos sociais e humanitários.
Um dado da universalidade da novela, e da hipocrisia que envolve também a nossa sociedade.
**Roberto de Sousa Causo
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Elmore Leonard é de 1925 |
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A edição original de "Hombre" |
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