Este é um dos livros mais estranhos e originais que eu tenho lido. Ressente-se de, digamos, um amadorismo de estilo que reflete
a extrema juventude da autora; mas em nenhum momento se pode afirmar que a história se perca, seja mal conduzida ou não desperte
interesse.
A edição é independente e, surpreendentemente, o exemplar que possuo (achado num sebo de rua) é da segunda edição. A técnica
narrativa é ousada, sem divisão em capítulos, mas não tudo de uma enfiada como em "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães
Rosa, mas em alternâncias de narrativa, ora na terceira pessoa, ora na primeira, com o ponto de vista da protagonista, a soldada
9225.
A autora só explica de forma perfunctória como a humanidade chegou àquela distopia, de um mundo unificado sob a ditadura
de Eunuco, um estranho personagem que estabeleceu o mal como ideal de vida: os homens eram maus por natureza, e deviam assumir
a sua maldade. O medo passava a ser encarado como um crime, o mundo passava a ser conhecido como "Inferno". O alienígena
Pedra Escura é chamado de "extrainfernal".
A história possui uma riqueza que a autora não consegue administrar. Passa uma mensagem de valorização do amor humano,
de retorno às fontes, mas com um entremeio extravagante de concepções "hippies" ou contraculturistas e alguma coisa
de doutrina espírita kardecista e mística oriental. Fica um texto desequilibrado mas com uma certa desenvoltura, e personagens
bem delineados, além da fina ironia do mapa-múndi que supões alguma catástrofe modificadora da configuração dos continentes.
Alguns são continentes atômicos: os "Estados Unidos das Usinas Atômicas", a "União das Usinas Atômicas"
e a "Índia Atômica". Os demais são o "Primeiro Mundo" (Europa), "Segundo Mundo" (Austrália)
e "Terceiro Mundo" (América do Sul e África, unidas num só continente). É um mapa muito engraçado, onde aparecem
"Brasílha", "Rio de Fevereiro", "Aires Poluídos", a "Hidrelétrica de Paraguaias Afundadas",
o "Rio da Zona" (Amazonas!), o "Cabo sem Esperanças" e por aí afora
Em suma é um livro divertido, polêmico, bizarro, como poucos das letras nacionais. Nas entrelinhas ou abertamente aparecem
conceitos da autora que eu julgo questionáveis, mas que não tiram a qualidade da obra -- sinalizadora de uma novelista que
merece atenção.
Uma observação: Regina Sylvia consegue criar uma heroína simpática, a Dhyana ou 9225, que de seguidora devotada do extravagante
ditador vai aos poucos valorizando coisas como o amor, a amizade, a natureza e -- detalhe importante! -- a maternidade!
Outro detalhe importante: através da invenção apelidada
"videograma", a autora previu simplesmente... a internet! Uma façanha que os mais conhecidos autores de FC não conseguiram.
** Miguel Carqueija
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