É difícil dizer que o Brasil teve uma era pulp compatível com a dos norte-americanos. O contexto em que se estabeleceu a era
pulp associava-se especialmente ao pequeno impacto que a I Guerra Mundial teve sobre os Estados Unidos. Segundo Brian Stableford,
a guerra
levou à Europa um medo profundo das possibilidades catastróficas de uma nova guerra, travada com aeroplanos e gás venenoso.
Embora a América não estivesse livre de ansiedades similares, elas eram consideravelmente menores [...] [Em relação à Europa,
o] otimismo permaneceu à tona apenas na América, refletindo o fato de que os Estados Unidos haviam sido os únicos vencedores
reais da guerra. A guerra havia arrancado o coração europeu da economia mundial, permitindo que a América ocupasse o espaço.
Esse boom durou até a quebra de Wall Street em 1929 e a subseqüente Grande Depressão, mas seus efeitos atingiram as frágeis
economias da Europa de tal maneira que intensificaram suas desvantagens. Dificilmente causa surpresa que a ficção futurista
americana de pós-1918 fosse impulsionada por um confiante espírito de aventura, que esteve quase inteiramente ausente da ficção
especulativa européia.
Um bom número de revistas e jornais ingleses, franceses e de outras nacionalidades européias imprimiam algum tipo de ficção
especulativa em suas páginas, desde a segunda metade do século XIX, mas "Os anos que vieram depois do fim da guerra testemunharam
mudanças dramáticas na situação do mercado para ficção popular" e "a ficção especulativa se tornou virtualmente
tabu". A razão disso foi a necessidade de dirigir as publicações para um público feminino, isolado como o principal grupo
de consumidores, e para quem os anúncios eram dirigidos. Os dois lados do Atlântico viram uma divisão entre as revistas apoiadas
por anúncios e as baseadas em venda. Estas últimas "passaram por uma dramática diversificação, experimentando com dúzias
de novos tipos, na esperança de descobrir novos 'nichos ecológicos'". E "As demandas do mercado americano pulp encorajaram
a produção de histórias de aventura exótica, mas o desenvolvimento de uma audiência especializada permitiu à ficção científica
assumir características distintivas próprias."
A criação desse público especializado é a principal responsável pela identidade de gênero literário assumida pela ficção
científica e a fantasia, e também por uma divisão mais aguda entre a literatura publicada nas slick magazines, supostamente
mais aceitável e séria, e a das pulp magazines, supostamente menos aceitável e puramente comercial.
Como vimos no capítulo anterior, o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX marcaram a divisão entre a
literatura sancionada e a literatura não-aceita, "não-séria" ou "vulgar". Esse tipo de divisão existe
em muitos países e faz parte de uma disputa pela prerrogativa cultural dentro das artes, comumente associada ao modernismo.
Não obstante, nós sabemos que na disputa pela prerrogativa cultural -- o poder de ditar o que é bom, ruim ou significativo
em termos artísticos e literários -- as formas populares conseguem sobreviver em parte graças ao seu sucesso comercial. No
Brasil, a prerrogativa cultural seduziu um grande número de escritores para as fileiras modernistas, enquanto a pequena população
realmente alfabetizada e com o hábito de leitura não foi capaz de construir uma audiência que desse o apoio necessário aos
escritores populares ou comerciais (supõe-se que os escritores elitistas se contentem apenas com glórias literárias). Diante
desse quadro, o autor estrangeiro está numa posição bem mais confortável; vindo de países mais desenvolvidos (principalmente
Estados Unidos, França e Inglaterra, no caso da ficção especulativa e de aventuras), eles encontram lá a audiência que lhes
sustenta, e podem vender seus trabalhos ao Brasil e a outros países subdesenvolvidos a preços inferiores. Também são provenientes
de tradições literárias mais antigas e ricas, e por isso podem criar obras mais coerentes e sólidas. Os editores brasileiros
encontraram assim um produto capaz de conquistar o público popular disponível, pagando menos do que o fariam aos autores locais.
O fenômeno é o mesmo que ainda assola os nossos escritores, tanto que os autores verdadeiramente comerciais estão concentrados
no nicho cada vez mais estreito da "ficção de banca" -- romances curtos de espionagem, western, suspense e ficção
militar, assinados com pseudônimos. O restante da literatura comercial -- ou de gênero -- publicada no Brasil é dominado pelos
estrangeiros.
Braulio Tavares argumenta que
Até o final dos anos 30, praticamente inexistiu em nosso país um movimento literário nos moldes da ficção científica americana,
envolvendo escritores e leitores em contato constante, e revistas especializadas. O balanço que fizemos [...] mostra que os
diversos subgêneros da literatura fantástica foram praticados de modo casual, 'de passagem', por alguns dos grandes nomes
de nossa literatura e por autores menores cuja obra não provocou maior repercussão. Não tivemos, portanto, dois dos fatores
que cristalizam o cultivo de um gênero: 1) a existência de uma ou mais Grandes Obras que desencadeiam dezenas de imitações
por anos a fio, ou 2) a existência de um grupo organizado de autores com objetivos semelhantes, que, à força da pura e simples
militância, inscrevem uma tendência intelectual na história da literatura de seu país (como são as chamadas 'escolas' ou 'movimentos').
Ainda assim, pesquisando os arquivos da Biblioteca Nacional, Tavares foi capaz de encontrar no cartel de um grande nome
como João Guimarães Rosa, ao menos três contos de fantasia e horror de formato que ele definiu como pulp: "Creio que
se no Brasil dos anos 30 ou 40 houvesse literatura fantástica de grande qualidade e de dimensões épicas a carreira literária
de Guimarães Rosa (1908-1967) poderia ter se desviado no rumo da fantasia [...]" Tavares compara Rosa a J. R. R. Tolkien
e observa que
as origens literárias de Guimarães Rosa foram muito mais 'populares' do que as do escritor do 'Silmarillion': os temas
que abordava em sua obscura estréia como ficcionista não eram muito distantes dos que se exploravam, na mesma época, nos pulp
magazines dos EUA [...]
Os três contos fantásticos de Rosa levantados por Tavares são "O Mistério de Highmore Hall", "Makiné"
e "Kronos kai Anagne", publicados em 1929 e 1930. O primeiro é uma espécie de narrativa de horror, inspirada por
Edgar Allan Poe e pelo "romance negro", associado ao folhetim. O segundo teria sido influenciado pela atmosfera
de exotismo e orientalismo que se instaurara com o movimento romântico, expressa também, por exemplo, no romance "A Luneta
Mágica", uma fábula moral de Joaquim Manuel de Macedo, publicada em 1869, que apresenta o protagonista a um artesão armênio
capaz de atribuir uma visão mágica à lente da luneta, que passa a exacerbar, enganosamente, os lados positivo e negativo da
vida, apontando ao protagonista a necessidade de um ponto de equilíbrio.
A explicação dada por Braulio Tavares para a coincidência de temas entre Rosa e os autores norte-americanos de Weird Tales,
por exemplo, está na influência do romantismo, cujos ecos chegaram ao século XX:
A sonoridade [da prosa de Rosa, nessa época [...] não está muito distante da 'prosa púrpura' de Clark Ashton Smith (1893-1961),
em seu ciclo de histórias (escritas entre 1932 e 1935), ambientadas no continente imaginário de Zothique. Também lembra uma
parte da obra de Robert Howard (1906-1936), o criador de Conan, o Bárbaro. Não afirmo que Rosa conhecia as obras destes autores,
mas sim que todos eles respiravam, na época, a mesma atmosfera. A literatura mainstream da época ainda era fortemente influenciada
pelo Romantismo, e pelo seu revival do exotismo, do orientalismo e da exploração literária de um Passado mítico que é recomposto
mais às custas da magia verbal do que da pesquisa historiográfica. Vale notar que S. T. Joshi, em seu excelente estudo The
Weird Tales, onde analisa a obra de Arthur Machen (1863-1947), Lord Dunsany (1878-1957), Algernon Blackwood (1869-1951), M.
R. Jones (1862-1936), Ambrose Bierce (1842-1913?) e H. P. Lovecraft (1890-1937), lembra que, com exceção talvez de Lovecraft,
todos os demais autores não imaginavam estar fazendo 'literatura de gênero': todos viam seus textos fantásticos e fantasistas
como fazendo parte do mainstream de sua época.
O que não significa que Rosa, em particular, não tenha mais tarde adquirido essa consciência, como sugere a anedota contada
por Fausto Cunha, em "Ficção Científica no Brasil: Um Planeta Quase Inabitado":
Guimarães Rosa considerava 'A Terceira Margem do Rio' um conto na linha do fantástico e certa vez, em conversa comigo,
estranhou que eu, um cultor da science fiction, não tivesse reagido com mais entusiasmo a essa história, que conheci de primeira
mão (Rosa às vezes me telefonava para eu ir ouvir a leitura de seus contos no Itamarati, ali na Rua Larga). Chegou a insinuar
que a escrevera pensando em mim como leitor, o que evidentemente não tomei ao pé da letra.
Não obstante o número de obras que possamos encontrar na produção nacional de ficção especulativa no início do século
XX, a era pulp brasileira está principalmente nos textos estrangeiros que aqui chegaram via coleções como Terramaear e Paratodos,
coleções que ainda permanecem na memória dos fãs, e compostas principalmente de livros de aventura e scientific romances do
século XIX. Ela certamente não está tanto em revistas, como ocorreu nos Estados Unidos e Inglaterra. Aqui, como ocorreu com
o resto do mundo lusófono, o centro do interesse dos fãs, o local onde o leitor contumaz do gênero encontra o seu "alimento",
é a coleção. Vide, por exemplo, a profusão de coleções especializadas, que apareceram em meados da década de 1950 em diante,
a partir da portuguesa Argonauta (Livros do Brasil), que chegava regularmente ao país, e da importante Ficção Científica GRD
(Edições GRD), seguida da Cienciaficção (EdArt), a Futurâmica (Ediouro), a Galáxia 2000 (Edições O Cruzeiro), a Mundos da
Ficção Científica (Francisco Alves) e tantas outras num amplo movimento editorial (quase totalmente dedicado a traduções)
que só veio a se extinguir em meados da década de 1990.
Revistas do tipo pulp exitiram no Brasil, de qualquer maneira. A primeira delas foi a quinzenal Detective, lançada em
1936 a partir do Rio de Janeiro, pelo Editorial Novidade Limitada e sob a direção de J. T. de Alencar Lima. Outro título da
época foi Mistérios, aparentemente lançada no mesmo ano pela Editora "LU", do Rio de Janeiro, tendo Rubey Wanderley
como editor. "Contos Magazine" (1937-1945) combinava vários gêneros populares, incluindo mistério, aventura e western.
Finalmente, no início da década seguinte surgiria a "X-9" (1941-1962). Segundo o pesquisador Nuno Miranda, "Este
pulp brasileiro parece ser uma compilação de várias revistas americanas", que seriam Black Book Detective (1939-1953),
The Phantom Detective e G-Men Detective. O nome da revista teria vindo do personagem de quadrinhos "Secret Agent X-9",
e que derradeiramente virou nome de escola de samba.
Geraldo Galvão Ferraz identifica uma "época de ouro dos pulps” no Brasil, como tendo ocorrido na década
de 1950, coincidindo com “a agonia do gênero [sic] nos Estados Unidos". Os títulos que arrola incluem as revistas
"Detetive", "X-9", "Meia-Noite" (1948-1968), "Emoção", "Mistério Magazine".
[…] O pai de todos os nossos pulps era a 'Detetive', inicialmente batizada de 'Detective', que foi para as bancas
em agosto de 1936 a 1.200 réis por cópia. Apelidada de “A revista das emoções”, era publicada no primeiro
e no terceiro sábado de cada mês pela Editorial Novidades Limitada, cuja redação ficava em São Paulo, na rua Vitória, e tinha
como diretor-responsável Armando de Castro.
Com anúncios da Casa Pratt e seu revolucionário sistema Kardex e da Guaraína, seguia o modelo convencional do pulp americano.
Papel jornal vagabundo, capa em quadricomia e duas colunas de texto por página. Com ilustrações obviamente pirateadas dos
similares de fora, surgem contos de aventuras na África e no Pólo, alguma coisa de ficção científica, histórias de guerra,
do Velho Oeste e policiais. Alguns nomes são reconhecíveis com os de Franck [sic] Belknap Long Jr., George Harmon Coxe, Ray
Cummings, Luke Short e Edmond Hamilton.
Por sua vez, o pesquisador Ruby Felisbino Medeiros lista as obras de ficção científica e fantasia que teriam aparecido
nas pulp magazines brasileiras e em revistas de assuntos gerais como "Eu Sei Tudo", um "clone da homônima francesa",
segundo Medeiros, contribuindo para a determinação do papel que os periódicos tiveram na veiculação de FC e fantasia nas primeiras
décadas do século XX no Brasil. Em Eu Sei Tudo, por exemplo, foram publicados, de 1917 a 1958, contos de H. G. Wells, E. M.
Lanman, Jorge [sic] Griffith, Octave Béliard, C. G. Kanan, H. de Vere Stacpole, Beatrice Grinshaw, Jacques Constant, Conan
Doyle, R. G. Kirk, Leo Peruta, Robert Lenzener, M. Renard, Francis H. Sibson, Curt Siodmak, Ray Bradbury, Kurt Vonnegut, Jr.,
Ward Moore, Arthur S. Gordon, Fritz Leiber, Robert Bloch, Lysander Kemp, Isaac Asimov, Paul Bengt, e Ray Darby. Da revista
X-9, Medeiros catalogou os seguintes autores, de 1942 a 1960 (mais ou menos o período que nos interessa): Bill Adams, Bertram
Atkey, Nelson Bond, Ward Botsford, Ray Bradbury, Algis Budrys, Karel Capek, Graham Doar, M. Cummings, Paulo Gallico, Robert
A. Heinlein, Paul Dennis Lavond, H. P. Lovecraft, Léo de Maré, Jack Morley, FitzJames O’Brien, Martin Pearson, Vic
Philip, Steve Philips, Dorothy Quick, Joel Towsley, Walter de Steiguer, e S. M. Tanneshaw. "X-9" foi aparentemente
uma revista de grande difusão e impacto entre seus leitores, atingindo mais de 650 edições. Medeiros, no curso de sua pesquisa
de dez anos levantando o material de FC e fantasia na revista, afirma que após o número 648 esse tipo de ficção deixou de
freqüentar as páginas da publicação.
Mas existiram revistas nacionais especializadas em ficção científica e fantasia. A primeira delas foi "Fantastic",
também conhecida como Cinelar Fantastic (a capa ostentava: "Cine-Lar Apresenta a Versão Brasileira de 'Fantastic', a
maior revista de ficção científica que se edita nos Estados Unidos"), iniciada em 1955 pela Edigraf de São Paulo —
de propriedade do publisher Mário M. Ponzini, que possuía oficina gráfica própria, à Rua Uruguaiana 86. Encerrou-se em 1961
e foi a versão brasileira de "Fantastic", revista norte-americana do tipo digest, publicada pela Ziff-Davis de 1952
a 1965, e pela Ultimate Publishing Co. de 1965 a 1980, tendo atingido 208 edições. Os editores da matriz, no período em que
existiu a versão brasileira, foram Howard Browne (no período 1952-1956), que idealizou a revista, Paul W. Fairman (1956-1958)
e Cele Goldsmith (1958-1967). No Brasil o redator-chefe foi Zaé Júnior e a tradução dos contos ficou aos cuidados de Manuel
Campos.
O primeiro número trazia contos de Jerome Bixby, Fritz Leiber, Ivar Jorgensen, Dean Evans, e Roy Huggins, ilustrados por
Ed Emshwiller e Virgil Finlay, entre outros. Também apresentava as seções "Pequena História Clássica" (com um conto
de Edgar Allan Poe) e "Conto Brasileiro", que trouxe uma fantasia folclórica de Zaé Júnior, "Moleque Pardo
-- Caboclo D’água". A participação brasileira também incluiu a charge "Cuca", desenho de Mendoza
de textura pontilhista muito bem realizado, de clima onírico e inspiração também folclórica. Logo nessa primeira edição, a
redação brasileira anunciava a sua vontade de publicar contos nacionais, não apenas ao imprimir a história do redator-chefe,
mas também através do anúncio do "Nosso Fantástico Concurso de Contos Fantásticos", com Cr$ 2.000,00 em prêmios
e publicação na revista. "A revista Fantastic é, como o leitor que já a leu concordará conosco, uma revista fantástica",
anunciavam.
Seus contos, selecionados entre os mais famosos e modernos novelistas americanos, inauguram um novo gênero de histórias,
ainda não explorados em nossa terra -- o conto de imaginação e de ficção científica. Nestas páginas de suspense não há o pieguismo
das histórias construídas apenas para impressionar o leitor pouco exigente. Não! Há inteligência habilidosa, há concepção
e trama, há bom gosto e mistério, de surpresa e espera. Uma atmosfera estranha e alucinante norteia seus personagens, seus
cenários. Histórias de outros planetas com naves interplanetárias e discos voadores; histórias de outros mundos mentais, intensamente
psicológicas e humanas; tramas policiais cuidadosamente urdidas e surpreendentes. E sátira! E humorismo refinado! Emoções
sensíveis e fortes que apenas a inteligência e a imaginação sadias podem despertar. Isto é 'Fantastic'.
Não era bem assim... Só a partir de 1958 e com o trabalho editorial de Cele Goldsmith é que a revista original norte-americana
destacou-se como um título importante, especialmente no campo da fantasia. A ilustração de capa do número 1 brasileiro é extremamente
pulp (provavelmente pintada pelo artista norte-americano Barrye W. Phillips), de sugestão gótica, com uma sombra demoníaca
projetada sobre um homem de aparência decadente, e contrasta de maneira aguda com o as "emoções sensíveis" e o "refinamento"
proclamado pelo edital. Essa disparidade de argumentos, pendendo entre o culto e o popular, a emoção sensível e a emoção forte,
mostra já uma dificuldade da pulp fiction em se fixar, contra a predominância de valores literários mais vinculados à alta
cultura.
Em 1956, Vero de Lima foi o novo redator-chefe, e em 1958 entrou Manuel Campos em seu lugar. O escritor de ficção científica
e futuro membro da Geração GRD Nilson Martello chegou a ser o redator-chefe a partir de 1960. Martello também convocou os
autores brasileiros a submeterem suas histórias à revista, aparentemente após um período de ausência nacional em suas páginas.
"Fantastic" foi a revista brasileira especializada em ficção especulativa a circular por mais tempo. Sua periodicidade,
porém, não permitiu que excedesse a uma dúzia de edições. Em 2 de setembro de 1997, Nilson Martello me escreveu, opinando
que "A 'Fantastic' brasileira [...] só não foi para a frente por causa do título [...] (Cine-Lar, coisa mais [infeliz!)
e a apresentação pobre", e informando que ele havia pêgo o número 12, de outubro de 1960, para editar, e preparado "um
segundo (melhor recheado) e que jamais veio à luz. Findou-se o projeto."
A segunda revista nacional, "Galáxia 2000", também não foi longe, tendo produzido apenas meia dúzia de edições.
Paulo Sérgio M. Machado informa que ela
Começou a ser publicada no Rio de Janeiro, pela empresa gráfica O Cruzeiro, em janeiro de 1968. Apareceu nos quatro ou
cinco meses subseqüentes e depois, sem maiores explicações, deixou de circular. A equipe da revista chegou a tentar algumas
soluções de emergência -- um concurso de contos, por exemplo -- mas mesmo assim a circulação não se manteve. A revista estava
cheia de 'idéias', e parece que pretendia ser um pouco mais do que simples detentora de copyrights para a língua portuguesa.
Desta vez o material era oriundo de "The Magazine of Fantasy and Science Fiction", ou FSF, revista de imensa
relevância para a literatura especulativa nos Estados Unidos. Surgiu em 1949 pela Mercury Press, através da sua subsidiária,
Fantasy House. Seus criadores foram o publisher Lawrence Spivak (que também publicava a revista de mistério "Ellery Queen’s
Mystery Magazine"), e os editores Anthony Boucher e J. Francis McComas. Boucher foi o principal editor até deixar a revista
em 1954, passando a editoria para Joseph W. Ferman. O editor durante o período em que a versão brasileira foi publicada era
o seu filho, Edward L. Ferman. Recebeu o Prêmio Hugo para melhor revista em 1958, 1959, 1960, 1963, 1969, 1970, 1971, e 1972,
e Ed Ferman o de Melhor Editor de 1981 a 1983. Desde o início a revista buscou impor novos padrões de qualidade de escrita,
afastando-se das pulp magazines e aproximando-se das slick magazines "que haviam dado forma à escrita de contos entre
as guerras", nos Estados Unidos. FSF ainda circula, agora sob a direção de Gordon Van Gelder. O primeiro editor brasileiro
da revista foi Mário Camarinha.
O exame do primeiro número de "Galáxia 2000" nos permite deduzir quais eram as "idéias" que impressionaram
Machado. Para começar, tinha direitos sobre o material publicado em FSF também em suas versões alemã, inglesa ("Venture"),
francesa ("Fiction"), italiana ("Fantasia & Fantascienza") e argentina ("Minotauro"). Como
resultado, o índice do primeiro número apresentava nomes como Graham Greene, Isaac Asimov, Brian W. Aldiss, Juravleva Valentina
(autora russa), Jorge Luis Borges e Rachel de Queiroz, entre outros. Aparte a qualidade particular de cada contribuição, trata-se
de uma seleção de autores peso-pesados. E, num esforço didático semelhante ao edital do concurso de contos de "Fantastic",
"Galáxia 2000" abre com "Definindo Ciência-Ficção", de Edson Guedes de Morais, seguido de resenha de O
Homem Demolido de Alfred Bester, publicado aqui pelas mesmas Edições O Cruzeiro. Quem assina a resenha é ninguém menos que
Assis Brasil. O papel era brilhante e não do tipo pulp costumeiramente empregado, tornando "Galáxia 2000" uma espécie
de semi-slick, com ilustrações em duas cores e diagramação variada. As Edições O Cruzeiro também publicaram uma coleção de
livros com o mesmo nome, que durou de 1967 a 1971 e produziu dezessete títulos.
FSF retornaria ao Brasil em 1970, agora baseada em Porto Alegre. Chamou-se "Magazine de Ficção Científica".
A editora era a Revista do Globo S. A., sob a direção de José Bertazzo, e o editor responsável foi o já veterano autor e fã,
Jerônymo Monteiro. A Revista do Globo já havia tentado o mercado para revistas antes, com a revista mensal "A Novela"
1936-1937). Num formato semelhante ao pulp mas apresentando ficção literária ao lado de romances góticos e histórias de fantasmas,
a revista teve Erico Verissimo como editor.
Infelizmente, Jerônymo Monteiro, o editor de "Magazine de Ficção Científica", viria a falecer ainda no primeiro
ano de existência da revista. Um editorial publicado no número 9, de dezembro de 1970, informou a sua morte. Sua filha, Thereza
Monteiro Deutsch, assumiu os trabalhos editoriais — embora Flávio J. Cardozo aparecesse como editor. A revista foi
encerrada em novembro de 1971. Muito se especula quanto à influência que a morte de Monteiro teria tido sobre a decisão de
fechá-la. Thereza Monteiro afirma que a revista foi fechada assim que acabou o material selecionado por Jerônymo. Os responsáveis
pela revista enxergaram razões mercadológicas e explicaram que "No decurso desses vinte meses, podemos informar que não
nos foi dado o prazer de uma única edição que atingisse uma venda de seis mil exemplares, o que representa prejuízo em cada
um dos números publicados". Fica claro, porém, que Monteiro contribuiu para a existência da revista:
Já em 1947, inaugurando de fato a ficção científica no Brasil, a Globo editava 'Três Meses no Século 81' [sic]. [Jerônymo
Monteiro] lançava o primeiro de uma série de sucessos. […] Quando decidimos apresentar uma edição em português de
'The Magazine of Fantasy and Science Fiction', lembramo-nos fatalmente de J. M. para Diretor de Redação. Ele aquiesceu ao
convite com um entusiasmo quase juvenil. Reuniu tradutores experientes, convocou autores, organizou a Revista.
Outro aspecto digno de menção foi a presença, como "Consultor Científico" junto à revista até o seu número 8
(novembro de 1970), da Associação Brasileira de Ficção Científica, o primeiro fã-clube brasileiro de FC, que Monteiro ajudou
a fundar em 1965. Não temos muitos detalhes sobre o papel da ABFC em apoio ao Magazine de Ficção Científica, mas uma colaboração
entre fãs e profissionais só viria a repetir-se em 1990, com o relacionamento do Clube de Leitores de Ficção Científica com
a Isaac Asimov Magazine.
O "Magazine de Ficção Científica" teve, portanto, vinte números em dois anos (mais que "Fantastic"
em seis), cada um deles com um conto de autor nacional, evidenciando o interesse de Monteiro em fomentar a nossa FC. Nem todos
esses contos eram publicáveis ou antologizáveis, mas um número substancial de autores interessantes chegou a contribuir. Alguns
dos brasileiros publicados foram Nilson D. Martello, Dirceu Borges, Walter Martins, Clóvis Garcia, Walmes Nogueira Galvão,
Rubens Teixeira Scavone, Jerônymo Monteiro, Luciano Rodrigues, José Coiro, Oswaldo Baucke, Marinho Galvão, Alfredo Jacques,
e Fernando G. Sampaio. Thereza Monteiro informa que todos teriam sido selecionados por Jerônymo Monteiro.
Material traduzido e já publicado na revista foi ainda reaproveitado em três antologias publicadas pela mesma editora,
a "Antologia de Ficção Científica" (os três números em 1972), mantendo inclusive o formato em duas colunas e imprimindo
anúncios.
Outra revista brasileira a conter o tipo de estrutura interna consagrada na era das revistas pulp (predomínio de contos
ilustrados, mais coluna de cartas, resenhas e artigos), mas em formato digest como as anteriores, foi a "Isaac Asimov
Magazine", versão nacional da então Isaac "Asimov Science Fiction Magazine" da Davis Publications (hoje apenas
"Asimov’s Science Fiction", da Dell Magazines). Nos Estados Unidos, ela apareceu com muito sucesso em
1977, então editada por George H. Scithers. Passou em seguida para Shawna McCarthy, de 1983 a 1986. Foi assumida então por
Gardner Dozois, o mais importante editor da atualidade, o principal agente no processo de transformar a publicação na mais
influente e importante das décadas de 1980 e '90. No Brasil, estreou em 1990, com Ronaldo Sergio de Biasi como editor, e Adélia
Marques Ribeiro como supervisora editorial, tendo cabido a ela o corpo-a-corpo com fãs e autores nacionais, especialmente
aqueles congregados no Clube de Leitores de Ficção Científica, fã-clube criado por R. C. Nascimento em dezembro de 1985.
Ronaldo de Biasi é filho de Renato de Biasi (1921-1981), que foi um dos editores da revista "Galáxia 2000" e
da coleção Galáxia 2000. Ronaldo, por sua vez, já havia traduzido contos para a revista editada por seu pai, e livros para
a Record, que imediatamente pensou nele para editar a IAM, quando ainda planejavam lançá-la. Seu trabalho, claro, era selecionar
a partir do material já preparado por McCarthy e Dozois, nos Estados Unidos, mas também dar uma cara mais brasileira à revista,
o que ele começou a fazer a partir do número 3, com um artigo de sua própria autoria. O número 4 trouxe entrevista com Orson
Scott Card concedida a mim, e o número 5 uma resenha escrita por Sylvio Gonçalves. Logo agregaram-se mais resenhadores, ilustradores,
e finalmente, contistas. Os contos nacionais, porém, só iriam aparecer no número 12, com a publicação de "Como a Neve
de Maio", de Roberto Schima. Foi o vencedor do Prêmio Jerônymo Monteiro, concurso lançado pela IAM como estratégia de
divulgação junto à imprensa. Foi o primeiro concurso nacional de FC promovido por uma grande editora. Àquela altura a revista
era um sucesso nas bancas, e seus leitores responderam enviando, de dezessete estados brasileiros, 444 histórias originais,
das quais três foram premiadas: o conto de Schima; "Lost", de Cid Fernandez; e "Patrulha para o Desconhecido",
de minha autoria. Outros contos submetidos ao concurso foram posteriormente aproveitados, a começar de "Alienígenas Mitológicos",
de Gerson Lodi-Ribeiro, noveleta publicada na IAM N.° 15. Entre os autores que colaboraram com a revista estiveram André Carneiro,
Ivanir Calado, Jorge Luiz Calife, Finisia Fideli, Ruth de Biasi (também do clã de Biasi), Carlos Orsi Martinho, José Carlos
Neves, Sylvio Gonçalves, Braulio Tavares (com artigos) entre outros. Lodi-Ribeiro foi o único a ter dois trabalhos de ficção
impressos na revista.
A "Asimov’s" americana deslocava a FC e a fantasia para longe dos clichês e dos formatos consagrados
ao longo do tempo, e que embalou os primeiros desenvolvimentos das duas correntes principais da ficção científica surgidas
na década de 1980: os cyberpunks e os humanistas, ambos associados ao pós-modernismo na FC. O público brasileiro, acostumado
a consumir a coleção portuguesa Argonauta, estava mais familiarizado com a FC da golden age (1938-1948), tivera pouco contato
com a new wave (década de 1960) e com a FC feminista da década de 1970, de modo que o material da IAM representou, em certa
medida, um choque junto aos leitores. Para compensá-lo, de Biasi acertadamente passou a publicar, a partir do número 13, material
extraído de "Analog Science Fiction/Science Fact", revista herdeira da tradição de "Astounding Science"
Fiction, o principal motor da golden age. Em 1991, "Analog" era uma revista-irmã da "Asimov's" (o que
acontece ainda hoje, com o seu nome discretamente alterado para "Analog Science Fiction and Fact" e sendo publicada
pela Dell Magazines), mas contendo histórias mais dentro da FC hard e mais interessadas em extrapolação científica e social,
do que em novos estilos e abordagens.
Em decorrência de problemas de distribuição, atrasos na produção e divergências internas na própria editora, a "Isaac
Asimov Magazine" deixou de circular em princípio de 1993, após vinte e cinco números publicados. Os trabalhos mais populares
dentre esses dezesseis trabalhos foram a história alternativa "A Ética da Traição", de Lodi-Ribeiro -- também publicada
na França e em Portugal, tendo alcançado hoje o status de um clássico moderno entre os brasileiros -- e a space opera "Lost",
de Fernandez, segundo pesquisa feita entre os sócios do Clube de Leitores de Ficção Científica. Mesmo imprimindo dois contos
brasileiros por edição perto do seu encerramento, a IAM publicou apenas dezesseis histórias nacionais -- menos, portanto,
que o Magazine de Ficção Científica em seus vinte números. Não obstante, provou existir uma demanda por um espaço profissional
destinado à ficção especulativa brasileira, como atestam as quase 450 histórias submetidas ao concurso -- e que nos fãs do
gênero é que as editoras devem encontrar os especialistas de que necessitam para sustentar uma iniciativa dessa espécie.
Todas estas quatro publicações apareceram no que os americanos costumam chamar de formato digest (cerca de 14 por 19 centímetros),
típico do período pós-pulp das décadas de 1940 e '50. Publicando uma maioria de histórias anglo-americanas por curtos períodos
de tempo, não conseguiram fazer muito pela difusão do gênero no Brasil. Dando espaço para uma fração de histórias nacionais,
o grosso delas constituído de contos fracos e imaturos tanto literariamente quanto em matéria de FC ou fantasia propriamente
ditas, contribuíram ainda menos para combater a noção predominante de que ficção científica não casa bem com a realidade brasileira.
Não há como comparar essas iniciativas, por mais interessantes que tenham sido no seu momento e por mais saudades que tenham
deixado, com a era pulp na América do Norte.
Seguindo a mesma tendência, em agosto de 2001 a revista Quark adotou o formato digest a partir do seu número 8. Ela existira
primeiro como fanzine, e a partir de 2001 ressurgiu no formato revista, com reportagens sobre FC no cinema e na televisão,
mas incluindo contos de autores nacionais. O número 8 marcou a tentativa de torná-la mais propriamente uma revista de ficção
científica, com a maior parte do espaço destinado a contos de autores nacionais — tornando, pela primeira vez, o
autor estrangeiro uma minoria. O publicador foi Marcelo Baldini, fundador da MB Editora, o editor de assuntos cinematográficos
e televisivos Aldo Novak, e o editor de ficção Roberto de Sousa Causo (posição a que cheguei depois de vários projetos fracassados
de lançar um título semelhante no mercado).
Duas semanas depois do aparecimento da "Quark" 8, a 67 Editora lançou a revista "Sci Fi News Contos",
uma compannion de "Sci Fi News", revista existente desde 1997 e destinada à cobertura da FC e fantasia no cinema,
televisão e quadrinhos. O editor do novo título é Fábio Barreto, com a assessoria editorial do Clube de Leitores de Ficção
Científica, incorporada na pessoa do fã e editor Marcello Simão Branco.
Nenhuma das duas revistas chegou até o início de 2002, sugerindo fortemente que o tempo das revistas de FC, sempre em
dificuldades para sobreviver no mercado brasileiro, já passou.
[Adaptado do livro Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil: 1875 a 1950, de Roberto de Sousa Causo. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2003.]
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arte de Henrique Alvim Corrêa |
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