Resenhamos lançamentos recentes (ou quase) de literatura pulp |
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"Wolves Eat Dogs", Martin Cruz Smith. New York: Simon & Schuster, 2004, 337 páginas. ------------------------------------------------------ Martin Cruz Smith tem cultivado ao longo dos anos a série de ficção de detetive protagonizada pelo policial russo Arkady Renko, iniciada com o famoso romance "Parque Gorky" (e prosseguida com "Estrela Polar", "Praça Vermelha" e "Havana"). Renko, que já teve muitos altos e baixos em sua carreira (indo de inspetor a persona non grata do PC), agora é investigador sênior em Moscou. Renko abre o romance na cena de um suicídio, cometido por um magnata novo russo, Pasha Ivanov. Apesar da pressão da empresa de Ivanov, a NovoRus, Renko acaba descobrindo que o empresário havia cometido suicídio motivado por um envenenamento radioativo, com césio 136. A investigação e a revelação são muito bem conduzidas, com um subenredo tratando do estranho relacionamento de Renko com um garoto órfão que vive em um abrigo: Zanhya, que é fascinado por contos de fadas russos (a muito citada bruxa Baba Yaga) e por xadrez, mas que nunca se comunica com Arkady. O romance então dá um salto e leva o detetive a (de todos os lugares possíveis, Chernobyl), pois o outro sócio de Ivanov, Timofeyev, foi encontrado morto em um cemitério da Zona de Exclusão Radioativa. Renko passou por Moscou, pelo Círculo Polar Ártico, pela Alemanha Oriental, por Havana, e agora vai a Chernobyl, na Ucrânia. O romance então passa a girar em torno da Zona e seus personagens: Alex e Eva; os irmãos Woropay e o capitão Marchenko; a família Katamay; o casal Maria e Roman, camponeses do lugar, etc. A descrição da Zona é impressionante na sua mistura do lúgubre, da desolação tipo pós-holocausto, com o lírico da natureza recompondo-se pela ausência do ser humano. Ao contrário do que parece, os efeitos nocivos da radiação são discretos em Chernobyl -- ou muito menores do que os efeitos nocivos da ocupação humana. Desde o início da série, Smith trabalha Renko dentro da tradição do romance "hard-boiled" iniciada por Raymond Chandler. Seu detetive, Arkady Renko, leva ao extremo a capacidade mostrada por Philip Marlowe, o detetive de Chandler, de fazer o enredo avançar metendo-se em encrencas em que é surrado ou confrontado com a morte (quase) certa. Aqui a sua também característica impertinência não apenas provoca a ira do chefe de segurança da NovoRus, como se mete no caminho dos esquemas locais de caça e desmonte ilegais de ferro-velho dentro da Zona de Exclusão. Quem, contudo, é a ameaça maior e o responsável pelas mortes, é um segredo que se desvela apenas no instante mais preciso. Também nos perguntamos se Renko, que até então parecia não ter nada a perder, após a morte de sua amada Irina, em "Havana", sobreviverá a um novo grande amor. A condução de Smith é sempre perfeita e todas as outras qualidades que fazem um grande romancista também se encontram perfeitamente afinadas, na sua escrita: diálogos dinâmicos e irônicos; descrições do ambiente que iluminam o íntimo dos personagens; caracterizações redondas e idiossincráticas dos personagens, garantindo-lhes individualidade e interesse. Nos romances de Martin Cruz Smith sempre há personagens um pouco (ou muito) desviantes da racionalidade, mas ele tem o toque genial de fazer com que essa loucura pareça refletir a incensatez do tempo e do lugar. O mundo que ele retrata se encontra fora dos eixos, mas seus protagonistas encontram em seu próprio código de conduta a firmeza de que precisam não apenas para poderem operar nesse terreno moralmente incerto, mas para não deslizarem definitivamente para dentro da loucura. A capa da edição original da Simon & Schuster é péssima sem uma falta de especificidade e de elemento humano. Em correspondência com o autor, tivemos a confirmação de que também ele não gostou: "Concordo com você quanto à capa de 'Wolves'; os editores não conseguem resistir ao óbvio." Falamos também com o pessoal da Editora Record, do Rio de Janeiro, que vinha publicando os livros do autor, até o seu penúltimo, "December 6". Não obtivemos confirmação de que eles pretendem publicar esse romance, ou "Wolves Eat Dogs". Aparentemente, e infelizmente, não. -- Roberto de Sousa Causo literatura pulp ficção pulp arte pulp pulp literature pulp fiction pulp art |